Aprovado pela UE (União Europeia), pelo seu Conselho, Parlamento e Comissão dos estados-membros, o novo conjunto de regras será responsável pelos futuros rumos da saúde do velho continente. A nova MDR (Mandatory Disclosure Regulation), em elaboração desde 5 de maio de 2017, entrou em vigor no território europeu no dia 26 de maio deste ano e será seguida pela IVDR (In Vitro Diagnostics Regulation), que entrará em vigor em maio do ano seguinte.
Visando atender questões abrangentes de regulação; em virtude das constantes evoluções dos produtos e novas questões jurídicas dos dispositivos médicos; elas prometem aumentar a proteção e qualidade na saúde vida dos pacientes, exigindo padrões elevados para produção dos dispositivos médicos.
O impacto do aumento da rigidez pelos novos requisitos, será sentido pelos fabricantes, fornecedores de matéria-prima, importadores, distribuidores e representantes de produtos e dispositivos médicos. Toda a cadeia produtiva e comercial terá que adaptar seus sistemas regulatórios aos específicos e detalhados requisitos da MDR para continuarem as atividades. Aqueles que ainda estão nas conformidades cobertas pelas diretivas predecessoras, poderão continuar a ser utilizados até 26 de maio de 2024.
Mas o que mudará de fato com essa nova regulação?
O aumento da burocracia para controle, coleta e armazenagem de dados, sem dúvida, é o principal volume de trabalho. Todas as informações deverão ser analisadas, documentadas em relatórios periódicos fornecendo, assim, suporte para as avaliações técnicas de risco.
Para corresponder à MDR, todos os produtos devem, obrigatoriamente, ser rastreáveis, ofertar recall, embalagens que garantam a integridade e esterilização, a fabricação deve ter os produtos identificados com códigos de barra, números de série e, seus dados, guardados por 20 anos.
Os fabricantes terão, ainda, que ter em suas equipes profissionais especializados, com alto nível de conhecimento técnico e clínico comprovado, para atualizarem as documentações continuamente. Também terão que contratar um seguro de responsabilidade de risco civil para cobrir financeiramente qualquer dano causado por produto defeituoso.
Os produtos terão, ainda, duplo mecanismo de segurança: o primeiro procedimento consiste em uma consulta clínica anterior à comercialização e o segundo, o controle obrigatório de pós-comercialização dos produtos de alto risco, ou seja, implantável classe 3 (alto risco) e 4 (máximo risco). Além disso, os sistemas de gerenciamento dos riscos e vigilância pré e pós devem ser integrados totalmente ao sistema de gerenciamento da qualidade.
A coleta e armazenagem de informações dos produtos médicos ficarão ao encargo da Eudamed (European Data Base on Medical Devices) e da UDI (Unique Device Identification). Seus bancos de dados serão fundamentais para a implantação da MDR, pois trarão transparência, garantirão a rastreabilidade dos dispositivos médicos e o fluxo contínuo de informações entre fabricantes, operadores, organismos certificadores e também entre os estados-membros e a comissão europeia. O UDI, integrará muitas informações, disponibilizando sua base através de um único registro de identificação do produto. Os players participantes deste mercado poderão avaliar conformidades, ensaios clínicos e os órgãos certificadores. O novo ‘software’, segundo a regra 10.ª, que anteriormente atendia requisitos da classe de risco 1, foi construído para se adequar à classe 3, fornecendo, assim, dados que permitem a tomada de decisões para fins diagnósticos ou terapêuticos.
Os órgãos certificadores também terão que se adequar para as novas demandas, contratando mais médicos e especialistas clínicos para suportarem as auditorias de vigilância. Os procedimentos para monitoração estão ainda mais regulamentados, rigorosos e detalhados, e prometem elevar o padrão de qualidade dos dispositivos médicos.
As auditorias serão, obrigatoriamente, realizadas sem aviso ao menos uma vez a cada cinco anos. Desta forma os fabricantes devem manter os produtos produzidos com plena conformidade constantemente para serem aprovados nas inspeções surpresas.
A reutilização ou reciclagem de dispositivos médicos, também foi um tema tratado no novo regulamento. As recicladoras de produtos e dispositivos médicos, passam a ser fabricantes com a nova MDR e devem cumprir os requisitos e todos os regulamentos aplicáveis. A Comissão Europeia ainda não definiu e especificou esse tema.
Em um futuro próximo, instrumentais cirúrgicos (classe de risco1), também precisarão de um órgão certificador, exclusivo para os aspectos de reutilização dos produtos, para orientar nas avaliações das conformidades, conforme anexo 8 da nova MDR.
Os certificados emitidos durante o período de transição pela MDD (Diretiva de Dispositivos Médicos) ou pela AIMDD (Diretiva de Dispositivos Médicos Implantáveis Ativos), permanecem válidos, a menos que excedam 4 anos da data do pedido. Entretanto, as empresas que não receberem a certificação durante o período de transição e tiverem o certificado da MDD e AIMDD expirado, deverão, obrigatória e imediatamente, retirar seus produtos do mercado da UE, até que os mesmos sejam certificados pela nova MDR.
Outro tópico com grande impacto para as rotinas das indústrias reguladoras com extrema rigidez pela MDR, são as alterações de produtos, os produtos e dispositivos médicos, assim como as alterações de utilização, não podem alterados sem a devida comunicação e aprovação prévia, à MDR e relatadas ao órgão certificador.
Os requisitos técnicos para os dispositivos médicos que incluem medicamentos (e os de origem animal conforme os requisitos adicionais do Regulamento (UE) n.o 722/2012), permanecem inalterados na MDR. Somente os produtos de classe 3 continuam com procedimentos de consulta à autoridade competente para avaliar a qualidade e os riscos dos medicamentos.
No caso de produtos exclusivamente estéticos, ou para uso não médico, com função e perfil de risco semelhante aos produtos destinados ao uso médico, segundo o anexo XVI da MDR., passam também a ser cobertos.
Quando nos deparamos perante tantas mudanças, automaticamente uma pergunta vem a tona: qual será o impacto financeiro das mudanças determinadas pela nova MDR? Certamente, não sabemos o impacto real causado pelas novas regras, mas podemos estimar.
Os valores gastos pelos fabricantes com certificações e órgãos certificadores, certamente aumentará radicalmente, visto que estes terão que monitorar os fabricantes de forma regular. Dependendo do setor, consequência desses novos custos poderão ser superiores à lucratividade da atividade. Os cálculos da certificação serão calculados individualmente, por hora, e dependem do tamanho da empresa, do número de plantas e da complexidade dos produtos. As auditorias para atender à MDR, devem girar em torno de €250,00 a hora, auditorias sem aviso €300,00, notificações de mudanças ou alterações significativas €300,00, revisão da documentação técnica da MDR €400,00 e a participação de especialistas na revisão da documentação técnica pode alcançar até €450,00, ou seja, um investimento muito alto principalmente para os padrões brasileiros.
A suíça conta hoje, com 1.400 empresas no segmento de medtech, que empregam ao redor de 65.000 profissionais. O país alpino tem o desafio de se estruturar para continuar sendo forte e competitivo. Atualmente as empresas investem, em média, 10% de sua receita em pesquisa e desenvolvimento. A produção tem 85% de suas fábricas, fornecedores e distribuição no país, e a pressão de custo e margens aumentarão para atender os novos requisitos da MDR/IVDR. O custo para fabricação dos produtos devem subir ao redor de 8%, e os custos de desenvolvimento de produto, deve aumentar 30%. Assim, a Suíça deve priorizar seu mercado interno onde dispõe uma estrutura de alto know-how e alta produtividade. Desde 2001, a Confederação helvética vem trabalhando, através da MRA (Acordo de Reconhecimento Mutuo), para ficar o mais próximo possível da nova MDR.
Como poderemos nos preparar, seja no Brasil ou na Suíça, para atender à transição aos novos requisitos das diretivas da MDR? Os fabricantes dos dois países, que desejam comercializar seus produtos em território europeu, deverão implantar o sistema de gerenciamento de qualidade e um plano de implementação, planejar e agendar as auditorias para acontecerem até maio de 2024. Após essa data, os fabricantes serão proibidos de comercializarem seus produtos na UE, sem as certificações da MDR e IVDR válidas.
O Brasil também deve sofrer com a nova MDR da UE, dado que os custos e o tempo das certificações poderão inviabilizar a comercialização. A capacidade financeira disponível para investimentos pelos empresários brasileiros e a variação cambial, serão fatores determinantes na adequação dessa nova realidade. O fato é que potencialmente haverão investimentos estrangeiros na saúde ao longo dessa próxima década na busca de novas oportunidades de vendas, afinal, o Brasil representa um mercado de 211 milhões de pessoas, que movimenta 650 bilhões de reais ao ano, sendo mais da metade, no setor privado.
Como consequência final de todas as mudanças no setor produtivo da saúde, acredito, particularmente, que o mercado da UE sofrerá problemas de abastecimento de produtos e dispositivos médicos, dada a quantidade gigantesca de requisitos regulatórios e o tempo necessário para adequação, além do aumento de custo para os fabricantes atenderem às exigências da MDR.
Com experiência em multinacionais como Alcoa, Shell e Telefonica, atuou nas principais empresas de medicina de Grupo do Brasil. Com especializações pela FGV em Gestão de Negócios e Marketing de Serviços e MBA em Administração e Gestão de Negócios, atua como CMO da Biomecanica e Grupo Bioscience desde 2012.