A importância do diálogo para esclarecer o crescimento das despesas per capita na saúde suplementar

O psicólogo Daniel Kahneman, laureado com o Nobel de economia, conclui por suas pesquisas que pensamos de duas formas, “Rápido e Devagar”, que também é o título de seu livro. A rápida não exige esforços mentais, é instintiva e muito afetada por lembranças recentes ou episódios marcantes, ainda que sem relevância para o assunto pensado. A outra exige raciocínio, concentração, análise, portanto grande esforço mental. Nosso pensamento corriqueiro normalmente se vale da primeira forma e por isso cometemos erros sistemáticos. Refiro-me a esses conceitos de Kahneman porque nossas reações mais comuns ao que ouvimos tendem a ser do tipo rápido de pensar, afetadas pela pressão da crise econômica que estamos vivendo, por lembranças recentes ou visões sedimentadas em nossas mentes ainda que nem sempre corretas ou relevantes. Assim, sentenças vocalizadas por operadoras de planos de saúde são automaticamente “interpretadas” à luz dessas reações instintivas, afetadas pelas imagens arraigadas nas mentes sobre essas entidades. Se apontarem que a despesa cresceu porque aumentou a frequência da utilização, a forma rápida de pensar induz os consumidores a entenderem como as operadoras atribuindo a “culpa” pelo aumento das despesas a eles próprios. Se apontarem para o significativo aumento do custo médio da internação, os hospitais tendem a entender que as operadoras os culpam pelo aumento dos custos. Obviamente, ambos negam qualquer responsabilidade e devolvem a culpa às operadoras que não fiscalizariam nem gerenciariam a utilização, os preços, os materiais utilizados, os protocolos seguidos pelos prestadores etc. etc.. E todos perdem com esse tipo de reação, pois a percepção equivocada, que fica para a sociedade e as autoridades, é de que há um descontrole total não só setor de saúde pública, mas também no setor de saúde suplementar.

 

Para sairmos desse imbróglio, precisamos recorrer à forma “devagar” de pensar, envolver nossas capacidades analíticas, despender esforço mental e emocional, pois é preciso entender o momento que o país está passando e como a crise afeta a percepção de nossos beneficiários. Medir a variação das despesas e identificar seus fatores e pesos relativos é o primeiro e indispensável passo para entendermos o que está se passando e desenharmos medidas adequadas. Nesse sentido, há equívoco sistemático em tomar os anúncios dos aumentos de frequência de utilização, de custo médio das internações, de preços de materiais, medicamentos e dispositivos implantáveis como repasse de “culpa” por parte das operadoras a quem quer que seja. Não há como desenhar políticas consequentes sem que saibamos o que vem acontecendo. Negar essa avaliação quantitativa ou tomá-la como atribuição de culpa a outro elo da cadeia da saúde é uma atitude pouco estratégica e levar essas contradições com números e estudos conflitantes para a mídia, principalmente em um ano eleitoral atípico, pode colocar em risco a sustentabilidade do setor, já que propicia o surgimento de propostas que não beneficiam nem o setor, nem a saúde do povo brasileiro.

 

Já faz bastante tempo que a FenaSaúde vem alertando para o crescimento sistemático das despesas na saúde suplementar em taxas insustentáveis, porque estão muito acima da inflação de preços ou do crescimento das rendas das pessoas e empresas. A Federação também lista possíveis fatores explicativos, entre eles os aumentos da utilização, particularmente em exames, os aumentos dos diferentes preços que compõe os serviços de assistência à saúde (materiais, medicamentos, taxas e diárias, dispositivos implantáveis, novas tecnologias etc.), e particularmente o expressivo aumento no custo médio da internação, de 80% entre 2011 e 2017, comparado com o IPCA do período de 46%. Como as despesas com internações representam mais 45% do gasto com assistência à saúde pago pelas operadoras, fica difícil entender que os aumentos na utilização respondam por 70% do aumento da despesa, como anunciado nos veículos de comunicação recentemente.

 

É preciso apurar a variação das despesas com assistência à saúde com a técnica adequada e a partir de bases de dados auditadas e de acesso público. Não é exercício simples medir essa variação, a partir de dados agregados, pois vários fatores que nada têm a ver com variação de despesas afetam o resultado obtido dessa forma agregada. Entre eles, o efeito composição que acontece quando planos de alto custo crescem a taxas diferentes de planos de baixo custo ou quando ocorrem alterações de padrão de plano, ambos extensamente utilizados na crise que afeta a economia brasileira. Variações desse tipo estão incluídas na apuração agregada da variação das despesas com saúde, mas nada tema ver com ela. É preciso apartar esses efeitos no cálculo para que se apure efetivamente a variação das despesas com saúde.

 

As associadas à FenaSaúde, preocupadas com o ritmo excessivamente intenso de crescimento das despesas, vem atuando em diversas frentes. A primeira delas é a relativa ao seu custeio administrativo, que no conjunto das seguradoras especializadas em saúde, foi reduzido em 37% nos últimos 10 anos, absorvendo atualmente 5,4% das receitas – um resultado muito expressivo e bem diferente do referido em reportagem recente, que, aliás, confundiu o dispêndio administrativo com margem! Resultado similar foi conseguido por todas as modalidades de operadoras. Vale ainda mencionar que no esforço para contenção de custos, as operadoras mudaram seu relacionamento com fabricantes e passaram a fazer compras diretas de materiais muito dispendiosos e de uso não muito frequente. E ainda que estimulam a segunda opinião médica para os casos de intervenções cirúrgicas complexas e muito invasivas, visando com isso se assegurarem que seu beneficiário tenha acesso ao que há de melhor segundo a evidência médica disponível.

 

As operadoras não fogem de sua responsabilidade. Mas aqueles que apontam o dedo para elas, como não exercendo o “controle e a fiscalização” que deveriam, precisam reconhecer as dificuldades de aceitação de tais práticas por eles mesmos, pelos próprios beneficiários, pelos órgãos de defesa do consumidor, pelos que fazem do estímulo à judicialização seu ganha pão.

 

É preciso também analisar os principais fatores da variação. Desvendar esses assuntos, reenfatizo, não equivale a buscar culpados pelos aumentos, mas sim encontrar caminhos comuns e compartilhados para que os custos não mais cresçam a taxas insustentáveis e a assistência privada à saúde continue acessível a muitos brasileiros. É importante que diversas entidades, dos mais diferentes interesses legítimos, se dediquem a essa tarefa de forma independente. Que os resultados encontrados por elas sejam amplamente debatidos para assim reduzir as possibilidades de erros ou equívocos.

 

A FenaSaúde persistirá nessa busca e estáaberta ao diálogo até que encontremos respostas comumente aceitáveis sobre a questão e a partir daí consigamos desenhar e divulgar caminhos para que o crescimento das despesas não termine por inviabilizar os planos de saúde que tanto podem ajudar os brasileiros na sua busca por saúde.

 

*Artigo escrito por José Cechin, diretor executivo da FenaSaúde

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