Já faz algum tempo que alguns paradoxos da saúde privada no Brasil vêm me chamando a atenção. Tenho ouvido de muitos analistas de credenciamento dos planos de saúde que o termo “Policlínica” soa como maldição dentro de suas empresas.
Atribuem esse fato às constatações, muitas até divulgadas recentemente na imprensa nacional, de que médicos recebem por indicações de exames, procedimentos e até mesmo por encaminhamentos a outras especialidades.
Em tese, quando um plano de saúde possui várias especialidades credenciadas dentro de uma mesma clínica (para não usar o demoníaco termo “Policlínica”), fica muito mais vulnerável a ser vítima das práticas ilícitas e antiéticas como descritas acima.
Isso sem falar que muitas especialidades credenciadas dentro de uma mesma clínica “motivaria” o uso indiscriminado pelo próprio usuário do plano, o que aumentaria a sinistralidade.
Imagine a situação: o paciente sai da consulta com o Cardiologista e por acaso descobre que a nutricionista está com a agenda tranquila naquele horário. Aí surge aquela dúvida: será que devo cortar o glúten? E a lactose? Pronto, mais uma consulta para o sinistro daquele plano.
Na primeira situação descrita cria-se o primeiro paradoxo. Ora, se o plano de saúde não quer se expor com estas práticas fraudulentas, por que não passa a dialogar melhor e valorizar mais as clínicas e hospitais que agem dentro da ética, da integridade e possuem sistemas de Compliance? Existem várias instituições criando, inclusive, manuais contra fraudes e corrupções dentro de suas unidades (muitas já até estão revisando seus primeiros manuais e ampliando a abrangência).
O que me parece é que todas as clínicas e hospitais são colocados em um mesmo bolo e práticas, como as descritas acima. Não existem estímulos para estas práticas de melhoria e idoneidade (apesar de ética e honestidade serem valores básicos a qualquer instituição, medidas que enaltecem estes valores devem sim ser valorizadas).
O segundo paradoxo vem da segunda constatação. Todos imaginam que um plano de saúde prima por atender melhor seu usuário. Porém, pelos motivos supra relatados, acaba criando mecanismos para dificultar o uso do plano pelo cliente. Ao invés do cliente conseguir passar em todos os médicos na mesma clínica, acaba tendo que se deslocar para outros lugares, o que muitas vezes o faz desistir daquele atendimento. Qual usuário de plano de saúde nunca teve que agendar o exame de sangue em um lugar, realizar o ultrassom em outro e retornar no médico em um terceiro local?
Bom, mas se no futuro, os planos de saúde tendem a não credenciar e até mesmo descredenciar as Policlínicas, como será o atendimento ao usuário?
Penso que serão realizados das seguintes maneiras:
- Verticalização do atendimento, como tem feito Amil, Intermedica, Prevent Senior, Hapvida e até mesmo o Bradesco, com sua Novamed. A maior parte do atendimento ao usuário é realizada dentro de suas próprias unidades. Sendo assim, caso o plano constate má fé por parte do médico que está atendendo, basta substituí-lo por outro profissional. A gestão é totalmente feita pelo plano de saúde.
- Credenciamento de pequenos consultórios. Neste caso, o próprio médico é dono do consultório, é o credenciado pelo plano e é o administrador da sua própria empresa. O plano de saúde ficaria menos exposto às fraudes, visto que seria mais fácil controlar este profissional, afinal, o mesmo não teria poder ou força alguma para se indispor com o plano. Além disso, qualquer indício de fraude bastaria substituir este especialista por outro. Um médico atende em média 30 pacientes por dia (de diferentes planos). Para fazer uma conta rápida, se metade dos pacientes atendidos (15) forem desta operadora, em 20 dias úteis, seriam “apenas” 300 pacientes reclamando da substituição daquele médico. Em um universo de 2 milhões de vidas, como possui uma das grandes seguradoras de saúde nacionais, isso equivale a praticamente nada.
Mas aí vem um outro paradoxo, que pode ser fatal às estas tendências. A grande maioria dos médicos não está conseguindo montar seus consultórios, e quando conseguem, não conseguem sustentá-los.
Sendo assim, fatalmente acabam indo trabalhar, quem diria, nas mal faladas Policlínicas. Nestes ambientes, eles possuem maior percepção de qualidade de atendimento, retorno financeiro, resolutividade e satisfação dos pacientes.
Veja reportagem recente do Estadão sobre o assunto.
E se esta tendência se propagar, qual será a saída para as Operadoras de Saúde?
Para as pequenas, regionais, ou de custo menor, uma saída pode ser a verticalização.
E para as que têm abrangência nacional e milhões de usuários pulverizados pelo país? Bom, estas têm 2 saídas: as Policlínicas ou as Grandes Redes de Hospitais.
Que paradoxo…
Quando Porter, o pai da Administração Moderna, publicou: “as 5 forças de Porter”, ele citava que uma variável a ser considerada seria: “O poder de negociação dos Fornecedores”. Sendo assim, quem forneceria os serviços de saúde às Operadoras seriam as Grandes Redes de Hospitais. E estas grandes redes sim têm poder, força e tempo de sobra para barganhar preço, brigar por melhorias e equilibrar a balança na disputa (isso mesmo, grande parte dos relacionamentos entre Operadoras e Prestadores ainda não são de parceria, e sim de disputa) com as Operadoras. Sem contar que estas grandes redes já estão criando seus próprios planos de saúde e migrando para seus novos negócios os antigos clientes das operadoras, que já utilizam seus serviços.
Por isso que o trabalho em conjunto e diálogo equilibrado entre Prestadores e Operadoras deixou de ser apenas prática de relacionamentos, e virou necessidade para a sustentabilidade do sistema.
Quantos paradoxos…
Presidente da Santa Casa de Chavantes, Dr. Anis Ghattás Mitri Filho é formado em Medicina e mestre em Terapia Intensiva. Também possui MBA de Gestão em Saúde com ênfase em Clínicas e Hospitais (FGV), MBA em Gestão, Empreendedorismo e Marketing (PUCRS) e extensão em Cardiologia pela Universidade de Harvard, dos Estados Unidos.