O futuro com Inteligência Artificial (IA)
“Eu nunca penso no futuro. Ele chega no seu tempo.” A frase é atribuída a Albert Einstein, que a teria dito ao desembarcar em Nova York (EUA) em 1930, vindo de Antuérpia (Bélgica). Se tomarmos a frase em si mesma, soa quase como um aforismo. Parece traduzir uma atitude diante da vida e dos fatos de que hoje, quase cem anos depois, poucos de nós se diriam capazes.
Pense, por exemplo, no noticiário econômico: uma parte expressiva – talvez até a mais importante – lida justamente com previsões: expectativas de crescimento, de inflação, de juros, entre outras. Políticas públicas (em tese, ao menos) se baseiam em projeções de população, de nível de emprego e outras.
No nível pessoal, planejamos carreiras, família, o que faremos no fim de semana. Bem vistas as coisas, estamos permanentemente de olhos voltados ao futuro. Fora a natureza claramente filosófica do debate sobre o futuro, há aspectos mais materiais à mão, por assim dizer.
Por exemplo: a ideia de futuro que compõe o quadro conceitual de quase todo mundo parece embutir, de forma necessária, a de avanço tecnológico.
Uma coisa não se reduz à outra, isso é óbvio – mas a ninguém ocorreria pensar que 50 anos à frente, ou dez, ou mesmo um ano, viveremos uma “involução tecnológica”.
Assim como ninguém pensaria que a energia elétrica deixará de fazer parte de nossas vidas. Não se vê um futuro sem computadores, internet, redes sociais, robótica e, claro, a IA (inteligência artificial). Exceto, claro, nas visões pós-apocalípticas do mundo que fazem tanto sucesso na ficção.
Assistir o desempenho de robôs, seja realizando uma cirurgia, montando um automóvel ou fazendo as acrobacias das máquinas da Boston Dynamics, verdadeiros atletas do parkour, enchem os olhos de pessoas de qualquer idade.
Mas essas cenas também têm algo que inquieta – e em geral isso tem a ver com um medo de estarmos obsoletos. Máquinas como aquelas podem substituir nossa força física. A capacidade delas para calcular já nos superou há muito tempo (foi para isso, na verdade, que foram criadas inclusive).
A IA faria pensar que logo não teremos mais espaço sequer em atividades criativas; quem sabe até mesmo decisões emocionalmente carregadas venham a ser tomadas por máquinas. Não demora muito e o fim dessa linha de pensamento pode estar em máquinas que dominam a humanidade, como as da série “Matrix” (é difícil manter a ficção fora do raciocínio por muito tempo).
Um exemplo mais recente é o ChatGPT – o aplicativo que dá ao usuário a impressão de estar dialogando com outra pessoa. Mas visto de perto, por mais que o app leve a pensar numa outra “mente” falando conosco, trata-se apenas de algoritmos que, numa base de dados imensa, busca referências e frases para compor textos originais e de sentido completo.
Quem já tentou ir mais a fundo com o ChatGPT já percebeu que as respostas são esquivas e superficiais. O fator humano está ausente. Inteligência artificial provoca esse temor um tanto vago de um futuro em que não teremos utilidade.
No fundo, o medo que a tecnologia avançada de hoje causa é o de que em algum momento percamos o controle: de tão eficiente, a IA acabariam concluindo que nós somos ineficientes – e, portanto, deveríamos ser “descontinuados”. Não procede: será com mais – e não menos – tecnologia que a humanidade conseguirá reverter o estado de degradação ambiental, resolverá crises sanitárias, econômicas, educacionais.
Claro que a argumentação racional não pode muito contra medos que habitam cantos mais profundos da psique humana. Mas, com medo ou não, assistiremos à chegada do futuro – que será, em grande medida, construído por humanos, auxiliados por ferramentas. A IA será uma dessas ferramentas, e não a peça que substituirá os humanos. Como disse o escritor francês Anatole France (1844-1924), o futuro permanece oculto até dos que o fazem. O melhor a fazer, então, é incluir cada vez mais IA em nossas vidas. Afinal, temos menos medo daquilo que nos é familiar.
Médico, presidente do Conselho do Instituto de Radiologia (InRad) e presidente do Conselho de Inovação (InovaHC), ambos do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, e presidente do Instituto Coalizão Saúde (ICOS).