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“Ausência de recall evidencia fraudes na área da Saúde”, por Enio Salu

Confira o artigo completo de Enio Salu, sobre fraudes e erros

(*) todos os gráficos e ilustrações são partes integrantes do Estudo Geografia Econômica da Saúde no Brasil e do material didático dos cursos da Jornada da Gestão em Saúde e da Escepti

As Profas. Glauce e Deise, coordenadoras, me deram mais uma vez a oportunidade de ministrar aula em turma de pós da Faculdade Einstein … além da “honra” é sempre muito bacana poder discutir temas de gestão da saúde em fóruns não patrocinados por vieses de fontes pagadoras, serviços de saúde fornecedores … é muito gratificante !

É muito bom poder dar uma contribuição, mesmo que pequena, para auxiliar na capacitação de gestores da saúde, porque quanto mais e melhores gestores tivermos na saúde privada e pública, maior o acesso da população ao SUS, dos beneficiários de planos de saúde aos serviços conveniados, e dos particulares aos serviços privados !!

A missão foi falar sobre sinistralidade e fraude … dois dos assuntos que mais estiveram presentes, e ainda estão, na minha vida profissional de consultor.

Começamos a discussão, como sempre, definindo bem o que é erro, problema e sinistro:

  • Sem entender o que significa cada uma destas coisas, a discussão perde o rumo … as ilustrações baseadas em casos reais perdem o sentido;
  • Acredito que não exista algo mais suscetível à erro do que realizar um procedimento na alta complexidade, porque uma cirurgia, por mais “robotizada que possa ser” não ocorre exatamente igual a outra por uma “infinidade” de fatores que não dá tempo aqui de listar;
  • O erro, ou seja, o resultado diferente do que foi planejado na atividade assistencial, faz parte … achar que não existe … somente isso … já é erro !

Analisando o sentido da palavra, “diferente daquilo que foi planejado”, é importante sempre discernir:

  • O resultado diferente, melhor ou pior … tanto faz … é erro;
  • O médico … a equipe que assessora o médico … todos fazem tudo que é possível para obter o melhor resultado, agem de acordo com uma conduta pré-definida, mas o resultado final sempre tem alguma variação, porque o paciente é diferente, não chega para o procedimento exatamente igual aos outros que se submetem ao mesmo procedimento, o organismo de cada um reage de forma diferente aos procedimentos e drogas;
  • Existe sempre a expectativa de conseguir um bom resultado, dentro de “uma margem de erro”;
  • Infelizmente o erro pode ser catastrófico ! … lidamos com saúde e não com divertimento !!
  • Mas felizmente … a medicina avançou a ponto do catastrófico ser a “minoria insignificante” dos casos de erros !!!

A saúde evoluiu … graças a Deus … a ponto do erro assistencial prejudicial ao paciente ser muito pequeno:

  • A própria evolução da técnica … a evolução dos insumos … a utilização de protocolos … a inovação !
  • Quem está na área da saúde há tanto tempo quanto eu acompanhou a fantástica evolução … via casos de amputação que hoje são “cases de reabilitação” … me emocionei quando vi uma “mão esmagada” segurando uma sacola após a fantástica reconstrução.

Mas o erro existe !

  • Acostumamo-nos na saúde a adotar a prática de “esconder o erro”;
  • Comento há anos: montadoras de carros “vira e mexe” fazem “recall” porque uma peça “não sei o que” pode colocar em risco quem utiliza o veículo;
  • E dizem isso em “alto e bom som” na mídia, para que todos que utilizam o veículo, donos ou não, saibam e se preocupem;
  • Mas nunca vi um único “recall” na saúde;
  • Será que nunca um lote de medicamento “saiu” com problema da “Farma”, e foi consumido por milhares de pacientes ?
  • Será que nunca um equipamento de diagnóstico esteve desregulado em um período em que centenas de pacientes fizeram exame ??
  • Será que “somos o máximo” a ponto de nunca haver necessidade de recall ???

A “sinistra” palavra sinistro nada mais significa do que a materialização de um risco, que pode ou não ser consequência de um erro … risco é algo previsto, que se gera dano, deve haver alguma ação planejada para mitigar o dano … gerir a sinistralidade é a gestão dos danos que a atividade de risco das operadoras … do SUS … envolve !

Aí  entra a diferença entre erro e fraude:

  • Fraude é um artifício para enganar … levar vantagem …
  • Erro não é crime … pode até ocorrer por negligência, imperícia … algo sem intenção … culposo … que simplesmente saiu diferente do planejado, quando a intenção não era que isso acontecesse;
  • Já esconder o erro é crime … é fraudar a realidade.

Então … considerando:

  • Que saúde, especialmente procedimentos da média e alta complexidades, são suscetíveis ao erro;
  • Que não existem casos rotineiros de “recall” na imensidão da área da saúde que embarca mais de meio milhão de serviços de pequeno, médio e grande portes …
  • É impossível que não existam erros encobertos … ou seja … é evidente que existem fraudes … não há como negar !!

Bem … até aqui a discussão foi em cima dos erros e fraudes no âmbito assistencial” … graças a Deus em volume insignificante.

Acontece que na saúde temos maior frequência de fraudes no “ambiente de gestão” … em vários e vários âmbitos … um dos maiores exemplos é a rotina de apresentação e auditoria de contas hospitalares:

  • A formação das contas na alta complexidade é extremamente suscetível aos erros;
  • Sempre comento que uma das principais motivações para abandonar a carreira de executivo na área da saúde e investir na minha consultoria … uma das principais razões … foi a certeza de que “as contas estão erradas”;
  • Os parâmetros para formação das contas são muitos … as regras muitas … a necessidade de processos exemplares, muito elevada … o volume de tabelas a serem atualizadas nos sistemas de informação, muito elevado …
  • … a chance de 100 % das contas estarem 100 % certas é 0 % !

O erro é evidente … e descobrir “o erro a maior” é uma das missões mais críticas da fonte pagadora … por isso … assim se desenvolveu a auditoria de contas como conhecemos hoje !!

O que não se desenvolveu da forma adequada na saúde foi o combate às fraudes:

  • Erro é erro … ao descobrir glosamos para não pagar o que é indevido;
  • Mas fraude é fraude … deveríamos denunciar a fraude, porque é crime;
  • Mas a saúde se desenvolveu glosando erro e fraude como se fossem a mesma coisa;
  • Então, os erros vão continuar acontecendo, porque formar a conta é atividade complexa;
  • E as fraudes vão continuar porque simplesmente glosamos … e não denunciamos.

Na verdade o papel do auditor é muito confundido, até pelos próprios gestores:

  • Não é lidar com Modelos Comerciais, Oferta e Demanda … auditoria é uma atividade que chamamos vulgarmente de “compliance”, porque o sentido de compliance é um pouco diferente disso;
  • O âmbito do auditor é identificar e apontar Erro, Desperdício e Fraude … e em hospitais: consertar o processo para que isso não seja rotina !
  • Se fizer isso … somente o que está “sob o seu guarda-chuva” … já é suficiente para mostra sua importância … não necessita mais do que isso … não necessita se aventurar além disso.

E seguir a história e se manter dentro daquilo que a regulamentação da sua profissão define … mesmo que sua atividade permita visualizar coisas que boa parte dos gestores da saúde pública e privada “nem desconfia que exista”:

  • Com esta abrangência … com este escopo … tratar fraude da mesma forma que trata o erro, “faz bem para seu emprego” … e muitas vezes “para sua saúde”, se é que me entende;
  • Porque dependendo do que estiver debaixo dos seus olhos, envolve o interesse de “pessoas do mais baixo nível humanitário” … dispostas a qualquer coisa para manter as coisas do jeito que sempre foram !
  • O dia em que começarmos a ver uma “enxurrada de recalls” na área da saúde, o auditor poderá pensar em denunciar fraudes … por enquanto, vamos combinar que não é a melhor opção !!

O mais legal de discutir este tema em uma turma de pós é “não ter que vestir a camisa”:

  • De fonte pagadora achando que serviço de saúde e fornecedor “é tudo picareta que frauda tudo”
  • Ou de serviço de saúde achando que fonte pagadora e fornecedor “é tudo picareta que frauda tudo”
  • Ou de fornecedor ….
  • O mais legal é poder passar a experiência de que “picareta” é a minoria, da minoria, da minoria … seja entre as fontes pagadoras, seja nos serviços de saúde, seja nos fornecedores.

E que a habilidade do auditor é justamente analisar o que deve ser analisado, sem pré-julgamento … sem pré-conceito ou preconceito …

  • Seja auditor de contas, de serviços, de qualidade …
  • E com isso mitigar os danos que erros e fraudes podem causar na gestão da saúde pública e privada !
  • Quanto menor o dano financeiro, maior o acesso das pessoas à saúde!!

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