Trabalho foca no atendimento de demandas do SUS, melhorando a qualidade do atendimento ao paciente
No final de 2020, o Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde (LAIS/UFRN) alcançou a marca de 103 softwares desenvolvidos e funcionando, com o objetivo de atender demandas reais do SUS e resolver os problemas existentes.
Segundo o coordenador do LAIS, professor Ricardo Valentim, não foi necessário trabalhar com situações hipotéticas. “No LAIS nós aprendemos que não precisamos inventar problemas, porque a saúde no Brasil já possui muitos deles.”
A equipe de pesquisadores trabalhou para trazer mais transparência, informação e agilidade tanto para a população quanto para os gestores públicos. Algumas das soluções foram criadas durante a pandemia da Covid-19 e ajudou no combate ao vírus.
Em entrevista à Healthcare Management, Valentim fala sobre a elaboração dos softwares e como os mesmos podem beneficiar a população. Confira abaixo:
1 – Como se dá o processo de elaboração dos softwares no LAIS? Eles atendem a uma demanda específica?
Os softwares desenvolvidos no LAIS partem de uma metodologia conhecida no mundo acadêmico como “Pesquisa-ação”. São soluções desenvolvidas a partir de uma demanda real e isso provoca o aprendizado, a melhoria dos processos de trabalho e também o desenvolvimento da própria pesquisa. São softwares que vêm para atender demandas concretas do SUS, seja na atenção primária, secundária ou terciária, de alta complexidade.
Muitas dessas soluções são organizadas por nossos alunos de iniciação científica, coordenados sempre pelos nossos alunos de mestrado, doutorado e por outros pesquisadores que têm interesse na temática daquele software.
2 – Como são formadas as equipes responsáveis por esse trabalho?
As equipes são formadas com foco na tríade universitária de ensino, pesquisa e extensão, além do olhar muito forte para a inovação. Nós trabalhamos com pesquisa, desenvolvimento e inovação no LAIS e esses times de seguem a metodologia scrum, que preza pelo desenvolvimento ágil, alinhado ao modelo de pesquisa-ação.
Os projetos sempre têm gerentes e líderes de pesquisa que já são seniors na área. Eles são os responsáveis pela demanda, sempre interagindo com todos os stakeholders, que precisam que os problemas sejam resolvidos por meio da mediação tecnológica.
Dentro do LAIS hoje, nós temos implantado uma residência de software na área de saúde que atua na parte de inteligência artificial, desenvolvimento de dispositivos biomédicos e de software para a saúde.
Assim, as equipes são compostas por esses grupos e, tanto os alunos de graduação e pós-graduação quanto os técnicos especialistas e pesquisadores seniors, são de diversas áreas do conhecimento. Então não temos profissionais somente da área de tecnologia da informação e comunicação, mas também da área da saúde, das engenharias e das humanas.
3 – Essas demandas são resultado da observação dos pesquisadores ou algum órgão, como o Ministério da Saúde, por exemplo, a solicita?
No LAIS nós aprendemos que não precisamos inventar problemas, porque a saúde no Brasil já possui muitos deles.
Nós desenvolvemos essa competência de cooperação técnica e, dentro disso, as demandas vêm de vários níveis do Ministério da Saúde: da ciência, inovação, pesquisa e atenção primária à saúde.
Essas áreas são as que mais demandam do LAIS, mas também temos uma grande interação com o governo do estado do Rio Grande do Norte e com o município de Natal. Como exemplo, temos a criação do Salus – Sistema de vigilância epidemiológica que realiza o processamento e a curadoria dos dados da base do e-SUS) – assim como a do RegulaRN, um sistema de regulação de leitos na rede pública estadual.
Além disso, também desenvolvemos a plataforma Coronavírus RN, um sistema de informação que agrega diversos dados de várias fontes de informação oficiais do governo do estado e também do governo federal.
Praticamente, as demandas que vem para o LAIS envolvem a resolução de problemas no âmbito do SUS no país, no Estado e no município, ou seja, nós atuamos na esfera tripartite do Sistema. Muitas dessas demandas são requisitadas por questões de tecnologia ou pela mudança cultural e dos processos de trabalho.
O LAIS não desenvolve somente uma tecnologia e a entrega ao usuário, nós transferimos conhecimento e formamos pessoas em todas as áreas que envolvem a tecnologia e a saúde.
4 – Como esse trabalho realizado pelo LAIS se transforma em benefício para a sociedade?
O trabalho desenvolvido pelo laboratório beneficia a sociedade em várias dimensões, mas existem duas primárias, que são a saúde e a educação. Isso dentro de uma visão transdisciplinar, de formação e desenvolvimento de tecnologia de uma perspectiva humanitária. O maior benefício para nós é desenvolver algo que se transforma em novos processos de trabalho para a sociedade.
Um exemplo é o Regula RN, que serve como plataforma de regulação de leitos clínicos e críticos para enfrentamento da Covid-19, que foi colocado em funcionamento. O estado do Rio Grande do Norte tem, hoje, uma das melhores redes assistenciais para enfrentamento a Covid-19 do país.
E isso se deu pela criação de uma rede assistencial integrada, respeitando a regulação plena dos municípios, que só pode ocorrer devido a transparência dada pela mediação tecnológica e a promoção da equidade, da justiça e do controle social.
Essa plataforma dá o benefício social de permitir que qualquer usuário do SUS tenha acesso a um leito de UTI ou clínico caso venha precisar, de maneira equânime, ou seja, todos tendo o mesmo direito de forma transparente. Assim, a organização do sistema de saúde no RN tem mostrado, na rede assistencial, um nível muito grande de resiliência e responsividade.
Isso ocorre porque o LAIS não entregou simplesmente um software, um aplicativo ou uma tecnologia. O LAIS transferiu o conhecimento, aperfeiçoou o processo de trabalho e articulou uma estrutura de cooperação técnico-científica com diversas entidades da sociedade, como o Governo do estado, prestadores de serviço, e as centrais de regulação do Rio Grande do Norte, de Natal, de Mossoró, entre outros.
Nesse meio, centenas de pessoas foram preparadas para organizar o sistema de saúde da maneira mais eficiente. O RN não teve colapso do setor da saúde devido à essa intervenção, então essa pesquisa-ação mudou a forma de resposta, dando ao estado dois conceitos fortes: resiliência e responsividade.
Ou seja, a capacidade de resposta frente a Covid-19 nas redes assistenciais e a adaptação ao novo contexto, assim garantindo atenção a todos os cidadãos norte-rio-grandenses.
Também podemos citar outros benefícios à sociedade, como o Autonomus, que permite que pacientes tenham autonomia na área da esclerose lateral amiotrófica, ou projeto do GEMA na área de psiquiatria.
Também podemos falar do AVASUS, que, durante a pandemia, permitiu formar mais de 200 mil trabalhadores do SUS e da área de saúde pública e privada no Brasil, em mais de 2800 municípios.
Isso é a entrega de conteúdo e de conhecimento, é usar a tecnologia em benefício da população de maneira prática, aplicada e técnica, criando conceito e preparando pessoas para tornar o sistema de saúde mais resiliente e mais responsivo.
5 – Essas ferramentas estão à disposição da população? De que forma elas podem ser acessadas?
As ferramentas e os softwares registrados pelo LAIS estão à disposição da população e podem ser acessados através da página do laboratório ou em algum serviço de saúde. Muitas vezes o usuário nem sabe que a solução foi feita pelo Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde.
Muitas dessas plataformas estão sendo utilizadas não só pelo usuário do sistema de saúde, mas pelo um profissional e estudante do setor ou da área da tecnologia.
Um exemplo disso é o AVASUS. São mais de 200 de cursos para aproximadamente 900 mil usuários no país todo. Muitos desses cursos auxiliar os usuários com relação à doenças e prevenção. Na época da Zika, da Chikungunya, no enfrentamento à sífilis e ao HIV no posto de saúde tivemos o atendimento que o profissional de saúde ao paciente na hora que ele busca o serviço de saúde. Agora isso acontece de forma digital.
Nem sempre nossa tecnologia é concreta, palpável. Muitas vezes ajudamos por meio da melhoria do serviço e da oferta ou na criação de um serviço novo de saúde que não existia. O benefício é muito amplo e, muitas vezes, é até difícil mensurar o impacto disso.
Uma outra, por exemplo, é o PMAQ, que é um projeto onde foram avaliados todos os estabelecimentos de saúde do Brasil, fazendo-os receber, pelo menos uma vez, uma tecnologia desenvolvida pelo LAIS. Quando avaliamos a qualidade do serviço de saúde e permitimos que outros pesquisadores possam acessar esses dados e envolver análises, isso também é um benefício no âmbito do planejamento, que a sociedade toda passa a ter benefício e transparência dessas informações.
6 – Em tempos de pandemia, a contribuição do LAIS foi bastante efetiva, inclusive com a criação de softwares. Essas ferramentas serão incorporadas ao sistema de saúde, mesmo após a pandemia?
Durante a pandemia, o LAIS desenvolveu e articulou um ecossistema tecnológico por meio de cooperação técnica com o Governo do Estado, o município de Natal, a Organização Pan-Americana de Saúde e os Ministérios Públicos.
Isso teve uma grande repercussão no RN, em todas as dimensões do SUS. Muitos desses projetos já estão sendo encaminhados junto ao Governo Estadual e, certamente, ficarão como legado. Mais do que uma necessidade da tecnologia em si, existe uma necessidade social para que essas tecnologias fiquem de fato como legado.
Por isso nós acreditamos que serão incorporadas e existem projetos em tramitação nos governos federal e estadual para isso. Os cursos e toda a produção de conhecimento que feita durante a pandemia, já estão como legado no Ambiente Virtual de Aprendizagem do SUS, o nosso AVASUS.
Outro ponto importante diz respeito a toda produção de dados e informação gerada durante a pandemia que estão dentro de uma política de dados aberta para a pesquisa, obviamente, respeitando a LGPD, o sigilo da informação.
Eles estão disponíveis para que toda a comunidade científica e de ensino, possam utilizar, seja para desenvolver outras pesquisas, ou para futuro se vier a ocorrer outras pandemias. Fazemos nossa parte para que estado do Rio Grande do Norte e a comunidade científica do país estejam mais preparados.