Em meio à pandemia, São Paulo decide manter cobrança de ICMS e sufoca setor de saúde

O fim da isenção pode custar à saúde privada de todo o país, em média, R$ 1 bilhão por ano sobre o preço de cerca de 200 dispositivos médicos de alto custo

O Brasil ainda nem saiu da crise sanitária imposta ao país pela pandemia de Covid-19 e os paulistanos já foram surpreendidos com o aumento de 18% em medicamentos, equipamentos e materiais médico-hospitalares e serviços de hospitais, clínicas e laboratórios em decorrência da nova tributação do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços) paulista. Reajuste com consequências que vão muito além do impacto financeiro imediato, implicando em possíveis demissões, desabastecimento, além de onerar o consumidor final.

O fim da isenção pode custar à saúde privada, em média, R﹩ 1 bilhão por ano sobre o preço de cerca de 200 dispositivos médicos de alto custo, como implantes ortopédicos, neurológicos, stents, marcapassos e desfibriladores implantáveis. Para algumas empresas, o aumento é tão significativo que pode acarretar demissão, suspensão do fornecimento de equipamentos e serviços ao SUS (Sistema Único de Saúde) e até fechamento de portas.

Além do visível impacto econômico (que se estende também ao SUS), há risco de desabastecimento de produtos e comprometimento do acesso à saúde pela população em meio a uma pandemia.

Para Paulo Henrique Fraccaro, superintendente da Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos e Odontológicos (ABIMO), é uma questão lógica. Todas as cadeias de suprimento, produção, distribuição e fornecimento de produtos para a saúde foram estruturando-se, nos últimos 20 anos, conforme o preconizado pelo Convênio ICMS 01/99, que isenta determinados produtos do recolhimento do imposto. Encerrar este acordo de uma hora para outra causa uma desestruturação generalizada de todo o setor, com impactos alarmantes em toda a cadeia produtiva, ressalta.

Segundo dados do Ministério da Saúde, o Brasil possui 2.105.110 equipamentos de saúde (tudo relacionado à saúde, como máquinas de ressonância e mamografia, por exemplo), 48,5% desses dispositivos estão sob a administração de pessoas físicas e demais entidades empresariais. Isto é, excluídas as entidades públicas [municipais, estaduais, Distrito Federal e União], quase metade dos estabelecimentos que cuidam de saúde serão oneradas pela nova medida, já que São Paulo é um grande fornecedor desses dispositivos para o Brasil. São Paulo detém 539.373 dos equipamentos disponíveis, portanto 28,2% do total. No caso paulista, 16,7% dos equipamentos estão sob a natureza jurídica das pessoas físicas e outros 31,7% das demais entidades empresariais. Com efeito, 48,4% de todos os dispositivos disponíveis em São Paulo passarão a ser tributados (novas aquisições).

A conta também vai ficar salgada para o público final. Até chegar ao consumidor, os produtos e serviços passam por várias etapas, prestadores e revendedores – com ICMS embutido em cada fase. Para trazer outro exemplo de ordem prática, cálculos feitos a partir de um estudo publicado pela Sociedade Brasileira de Cardiologia apontam que numa internação originada a partir de uma cirurgia cardíaca com alto risco pré-operatório, o custo do procedimento pode subir, em média, de R﹩ 43,2 mil para R﹩ 47,5 mil, resultado de um aumento de custos de R﹩ 4.287,59, apenas pela aplicação da alíquota de ICMS de 18%. Para as cirurgias de baixo risco pré-operatório a alta estimada é de R﹩ 2.510,03 e de médio risco R﹩ 3.431,85.

“A suspensão da isenção do ICMS irá resultar, sem dúvidas, em aumento da taxa de inflação relativa à saúde e cuidados pessoais, como tratamentos médicos e odontológicos”, comenta Fraccaro. De forma geral, o ano passado teve uma inflação medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) de 4,52%. O item saúde e cuidados pessoais subiu apenas 1,5%, no mesmo período. Contudo, os serviços de dentista subiram 5,46% e os planos de saúde 2,44%, no Brasil. Em São Paulo, no ano passado, dentista ficou mais caro em 8,57%. Por exemplo, um implante dentário que custa em média R﹩ 2.920,00, pode subir para R﹩ 3.152,00, apenas com o repasse da nova alíquota de ICMS.

Vale enfatizar, como São Paulo é um grande fornecedor brasileiro de serviços e insumos médicos, que os efeitos da elevação do ICMS (de 0% para 18%) serão refletidos em todos os Estados. Certamente, todos os brasileiros pagarão mais para “ajudar” no aumento de arrecadação paulista.

Além disso, o item saúde e cuidados pessoais pesa bastante sobre o IPCA-Geral (13,2% da inflação nacional adveio, em 2020, deste item). Porém, como a cesta de consumo das famílias difere nas distintas regiões do Brasil, enquanto em São Paulo o peso da saúde e cuidados pessoais é de 13% no orçamento familiar, em Salvador, por exemplo, esse mesmo item chega a ter 15,25% de peso na inflação. Em suma, a região Nordeste será uma das mais impactadas pelo aumento da carga tributária paulista, para todos aqueles que usam equipamentos privados, seja numa clínica médica, seja num tratamento dentário.

“O fato é que, mesmo que não estivéssemos no período mais delicado do século até então, a suspensão da isenção do ICMS de maneira abrupta já seria, por si só, desastrosa. Em meio a todos os esforços voltados para superar 2020 e oferecer à população o necessário para vencer essa batalha, essa medida se torna catastrófica, como uma doença de efeito fulminante e sem vacina nenhuma para aliviar o setor”, finaliza, Paulo Henrique Fraccaro.

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