Um projeto pioneiro desenvolvido no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) está ajudando a colocar o Brasil no mapa das pesquisas com IA generativa aplicada à saúde.
O InovaHC, núcleo de inovação tecnológica do HCFMUSP, em parceria com a Amazon Web Services (AWS), plataforma de computação em nuvem da gigante do varejo digital, celebraram um acordo para criar um laboratório interdisciplinar de soluções de inteligência artificial generativa para a saúde pública brasileira. O laboratório contará com a participação de estudantes, pesquisadores e empreendedores, coordenando pesquisas e desenvolvendo aplicações que prometem dar mais eficiência ao SUS.
O primeiro projeto já foi escolhido: com apoio do Instituto de Radiologia (InRad) do Hospital das Clínicas, o recém-criado laboratório está desenvolvendo uma ferramenta que permite a estruturação automática de laudos radiológicos de forma ágil e precisa, levando em conta o histórico de cada paciente. Batizada de GAL (Gerador Adaptativo de Laudos), essa ferramenta deve revolucionar a produção e gestão desse tipo de documento.
Nessa primeira fase, o GAL construirá um sumário das informações pertinentes a determinado exame, facilitando a estruturação de laudos pela equipe de radiologia. Espera-se com isso reduzir o tempo gasto pelo radiologista acessando os dados necessários para a análise das imagens de cada paciente, acelerando a entrega do diagnóstico.
Ferramentas de inteligência artificial que organizam e analisam grandes volumes de dados não são exatamente uma novidade, e há várias iniciativas na área da saúde que exploram o potencial dessa tecnologia. A IA generativa, porém, é mais complexa: ela consegue gerar discursos coerentes a partir das informações com as quais é alimentada. É o tipo de IA por trás do famoso Chat GPT, que ganhou o mundo nos últimos anos.
Logo, a principal inovação do GAL está no fato de que, impulsionado por modelos de machine learning, ele será capaz de não apenas ler e processar informações dos pacientes, mas também redigir documentos, indicando, por exemplo, pontos de atenção. Esses documentos, por óbvio, passarão por revisão de um médico, mas sua produção ajuda na padronização dos processos do hospital e, é claro, na economia de tempo.
Com isso – e, mais amplamente, com o anúncio do laboratório de IA generativa – uma das principais instituições de educação superior do Brasil firma sua posição numa corrida tecnológica global que deve transformar completamente a nossa área.
No ano passado, a Google, por exemplo, anunciou sua ferramenta própria de IA generativa voltada à saúde. Batizada de Vertex AI, ela promete organizar informações a partir de anotações clínicas, laudos de exames e demais documentos, de modo que os profissionais de saúde tenham acesso a esses dados num único lugar. Ela também conta com um sistema de busca, o Vertex AI Search, respondendo com mais assertividade às demandas dos médicos.
A ferramenta da Google já é utilizada em modo piloto por instituições como a Mayo Clinic, conhecida organização norte-americana sem fins lucrativos. Isso mostra como a aplicação da IA generativa em saúde é uma realidade, e o Brasil precisa investir mais em pesquisa e no desenvolvimento de novas soluções, em parceria com a iniciativa privada, para não perder espaço no cenário que se desenha.
A criação do laboratório do InovaHC também posiciona melhor o país para enfrentar os dilemas éticos atrelados ao uso dessas novas tecnologias. Um dos fatores que determina a qualidade de uma IA generativa é a diversidade dos dados com as quais ela é alimentada. Se a máquina aprende com um conjunto muito restrito de informações (dados médicos de um único grupo étnico ou de uma única faixa de renda), haverá viés no conteúdo gerado.
É positivo, portanto, que soluções do tipo estejam sendo desenvolvidas no âmbito do SUS, com acesso a uma base de dados diversa e que de fato reflete as características e demandas da população brasileira, ao invés de importarmos soluções mais bem ajustadas a outros perfis demográficos e realidades sociais.
O mesmo se aplica à questão da soberania dos dados: sistemas de IA na saúde lidam com informações privadas e extremamente sensíveis. Com iniciativas como a do InovaHC, a gestão desses dados ocorre sob a proteção da legislação brasileira, no âmbito de instituições públicas renomadas, sujeitas ao escrutínio das autoridades responsáveis.
São projetos assim, que buscam incorporar alta tecnologia ao fluxo de saúde, que têm tudo para viabilizar um salto de qualidade e eficiência em nosso sistema universal de saúde.